Os doentes mentais são como beija-flores: nunca pousam, ficam a dois metros do chão.
(Arthur Bispo do Rosário)
Entre os pesquisadores da arte existe questionamento em relação à validade artística dos trabalhos estéticos produzidos por uma pessoa que apresenta distúrbios mentais. Há os que consideram, assim como o pintor e escultor francês e primeiro teórico da “arte bruta”¹ Jean Dubuffet, que os trabalhos de expressão artísticas produzidos pelos loucos constituem arte pura que não foi “contaminada” pela cultura. Outros pesquisadores, como o crítico de arte e ensaísta Luiz Camillo Osório, afirmam que tais trabalhos não podem ser considerados arte, pois “Por mais emocionante que seja uma pintura de Fernando Diniz, ou mesmo o manto do Bispo do Rosário, aquilo não é arte. (...) Sem consciência, sem intencionalidade não se faz arte.”.

Arthur Bispo do Rosário
Manto da Aresentação
Osório César, músico, psiquiatra e crítico de arte, iniciou suas pesquisas sobre arte e loucura na década de 1920, a partir de “desenhos” em folhas de papel, nas paredes e no chão, produzidos pelos pacientes do Hospital Psiquiátrico do Juqueri. Passou a recolher esses trabalhos, catalogar e analisar sistematicamente, considerando-os trabalhos expressivos, com evidentes qualidades estéticas. "A esthetica futurista apresenta vários pontos de contato com a dos manicômios. Não desejamos com isso censurar essa nova manifestação de arte; longe disso. Achamo-la muito interessante assim como a esthetica dos alienados. Ambas são manifestações de arte" (César, 1929, p.39). Percebeu a importância da arte no tratamento da loucura, passando a realizar oficinas e exposições dos trabalhos dos internos do Hospital Psiquiátrico Juqueri. Osório tinha preocupação social na reintegração dessas pessoas na sociedade, e para isso ele criou a Escola Livre de Artes Plásticas do Juqueri (1952), com a finalidade de profissionalizar os internos como artistas.
O Clube dos Artistas Modernos, formado por Flavio de Carvalho, Di Cavalcanti e Antônio Gomide, promove em 1933 o “Mês dos Loucos e das Crianças”, evento no qual foram expostas pela primeira vez obras de artistas internos do Hospital do Juqueri. Entre os artistas modernos, os trabalhos produzidos pelos loucos despertaram bastante interesse. Como destaca Flavio de Carvalho no artigo A única arte que presta é a arte anormal publicado no Diário de S. Paulo, “Esta conteria valores artísticos profundos e estaria atravessada pelo que o homem tem de demoníaco e sublime, de raro, burlesco ou filosófico, enfim, algo que teria a espessura da vida” (Carvalho, 24 set. 1936).

Osório Cesar
Livro A expressão artística dos Alienados, 1929
Nota:
1- Obras artísticas tais como pinturas, desenhos, estátuas e estatuetas, objetos diversos de todo tipo, que nada devem (ou devem o menos possível) à imitação das obras de arte que podemos ver em museus, salões ou galerias, mas que, ao contrário, fazem apelo ao fundamento humano original e à invenção mais espontânea e pessoal: produções cujo autor tirou tudo (invenção e meio de expressão) de sua própria profundeza, de seus próprios impulsos e humores, sem a preocupação de que fossem aceitas nos meios habitualmente consagrados, sem olhar para as convenções vigentes. (Jean Dubuffet)
Próximo